Sem nomes e sem histórias, mas amados

a escrita da história da escravidão em Perder a mãe, de Saidiya Hartman

Autores

  • Fernanda Silva e Sousa Universidade de São Paulo

DOI:

https://doi.org/10.15848/hh.v16i41.1997

Palavras-chave:

Escravidão, Escrita da história, Luto

Resumo

O artigo se propõe a pensar Perder a mãe: uma jornada pela rota atlântica da escravidão, de Saidiya Hartman, em diálogo com os seus ensaios “Tempo da escravidão” e “Vênus em dois atos”, como uma escrita da história da escravidão que concebe os escravizados como seus ancestrais à medida que a autora se afirma como uma descendente de escravizados que vive a sobrevida da escravidão. Situando-a na nova história social da escravidão e no debate em torno do caráternarrativo e ficcional da história, argumentamos como Hartman, apoiada em uma tradição radical negra, elabora uma escrita da história que tenta dar conta dos milhões de mortos sem nomes e sem histórias ao longo do tráfico de escravos. Nesse processo, não apenas o esquecimento, mas também a impossibilidade de lembrar diante da escassez de fontes documentais ou de contornar a violência do arquivo se impõem como desafios ao trabalho de luto dessas vidas perdidas, levando-a à criação do método da fabulação crítica, que dialoga com o pensamento de Toni Morrison ao escrever o romance Amada. Ao fim, conclui-se que a escrita da história da escravidão deve ser acompanhada por um gesto ético de cuidado com os mortos, buscando não a redenção, mas a narração dessas vidas perdidas.

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Publicado

2023-06-28

Como Citar

SILVA E SOUSA, F. Sem nomes e sem histórias, mas amados: a escrita da história da escravidão em Perder a mãe, de Saidiya Hartman. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 16, n. 41, p. 1–31, 2023. DOI: 10.15848/hh.v16i41.1997. Disponível em: https://historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1997. Acesso em: 3 jul. 2024.

Edição

Seção

Dossiê: Corpos, tempos, lugares da historiografia