Memória do capitalismo como ausência
um estudo a partir da pandemia de Covid-19 e do Memorial Inumeráveis
DOI:
https://doi.org/10.15848/hh.v17.2146Palavras-chave:
Capitalismo, Memórias, Dever de memóriaResumo
A Covid-19 originou diversos projetos de arquivamento da experiência pandêmica e de memorialização de suas vítimas, entre eles, o Memorial Inumeráveis. Entretanto, observa-se nessas iniciativas a inexistência de menções ao capitalismo e à razão neoliberal como promotores da pandemia e dos milhões de vitimados. Este ensaio reflete sobre essa ausência de inscrição e reconhecimento e propõe uma leitura do Memorial Inumeráveis como uma “memória do capitalismo”. Argumenta-se que a pandemia de Covid-19 resulta de uma forma específica de relacionamento dos seres humanos com os ecossistemas, e que é possível inscrever e reconhecer a “memória do capitalismo” a partir de um ato de enunciação característico do trabalho de memória. Desta forma, a interpretação do Memorial Inumeráveis como uma “memória do capitalismo” contribui para explicitar os mecanismos de produção de naturalização do sistema capitalista e do neoliberalismo.
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