Chamada para envio de artigos para o Dossiê ''Entre história intelectual e sociologia dos intelectuais''

2024-07-21

Nas últimas décadas, o número de pesquisas realizadas na América Latina que se enquadram na perspectiva da história intelectual cresceu significativamente. Desde a consolidação metodológica da opção por não reduzir as ideias ao seu contexto socioeconômico, pelo menos dois programas distintos de abordagens a ideias ou discursos foram testados no nosso continente. Diante de uma “história das ideias” que, durante décadas, discutiu a progressão dos desenvolvimentos intelectuais segundo a participação em uma originalidade latino-americana e emancipatória, propôs-se uma “história intelectual” orientada a analisar das ideias de um determinado momento – seja sobre questões políticas, disciplinas científicas, movimentos culturais etc. - em relação aos percursos materiais que possibilitaram a circulação dessas ideias, à sociabilidade e às biografias intelectuais, à temporalidade da leitura e aos usos dessas ideias. Enquanto em diversas expressões europeias essa história intelectual aparece ligada à “virada linguística”, na Argentina e no México, dois claros centros de história intelectual, ela tende a ser associada à “virada material”, e com ela à história do livro e edição e à reconstrução do itinerário político-cultural não só das elites intelectuais, mas também daqueles que realizavam tarefas de edição, eram gestores culturais ou escritores de livretos ou panfletos. No atual desenvolvimento da história intelectual também é possível perceber uma “virada arquivística”, uma vez que o exaustivo rastreamento biblio-hemerográfico, a construção reflexiva do corpus documental e o tratamento de seus materiais atento ao ordenamento e à procedência destes nos arquivos, aparecem como condições básicas de nossa história intelectual. 

Segundo mostram as respostas à recente “Encuesta sobre la historia intelectual en el siglo XXI” coordenada pela dra Natalia Bustelo para Políticas de la memoria n° 22 (2022) e a investigação sobre a recepção argentina da Escola de Frankfurt publicada na História da Historiografia n° 32 (2020) por Alexandra Dias Ferraz Tedesco, nossa história intelectual também se vincula estreitamente com a sociologia dos intelectuais, apontando para a possibilidade de pensar o entrecruzamento entre a feitura das ideias, o trânsito de seus portadores e as dinâmicas institucionais que circunscrevem sua fortuna crítica. Nesse sentido, o presente dossiê também procura explorar a possibilidade de que observatórios metodológicos como as trajetórias e as biografias, as prosopografias intelectuais e a investigação de dinâmicas institucionais, também possam figurar entre as especificidades que fortalecem uma história intelectual pensada na e para a América Latina. Propomos, enfim, que a aproximação da história intelectual com a sociologia dos intelectuais é um convite à abertura a discussões teóricas sobre a própria prática da história intelectual.

Tendo em vista esses debates, este dossiê busca consolidar o diálogo entre as equipes de pesquisa de Buenos Aires, de São Paulo e do Rio de Janeiro, e tem como justificativa principal o papel protagônico que Brasil e Argentina ocupam no debate continental e global sobre a história intelectual e a sociologia dos intelectuais. Pensando no impacto dessa rede nas reflexões sobre esse campo de pesquisa, o dossiê reúne artigos que, assumindo a perspectiva da história intelectual, realizam pesquisas que revisam dimensões e características das intervenções de professores e estudantes que se convertem à condição de intelectuais e, com isso, além de participar de diferentes processos de institucionalização, constroem historiografias, editam livros e revistas e participam de agrupações políticas e culturais. Contempla também artigos e contribuições que incidem sobre as possibilidades de encontro disciplinar entre a história intelectual em sua acepção clássica e a sociologia dos intelectuais, assim como reflexões mais abrangentes sobre novos atores intelectuais e as dinâmicas contemporâneas de consagração que extrapolam as dimensões rigidamente universitárias. Finalmente, o dossiê pretende contribuir para um debate metodológico sobre como as ferramentas da história intelectual, em suas múltiplas acepções, podem contribuir para o entendimento das dinâmicas culturais e acadêmicas dos países latino-americanos.