Chamada para envio de artigos para o Dossiê ''Arquivos etnográficos: outras inscrições e epistemologias do som e da escuta”

2024-07-21

Na perspectiva de que a produção de conhecimento etnográfico está mediada pelas subjetividades e contextos socioculturais e políticos que subjazem e surgem das interações no campo, bem como pelos pressupostos paradigmáticos ou teóricos da pesquisa, o Dossiê “Arquivos etnográficos: outras inscrições e epistemologias do som e da escuta” busca primeiramente  problematizar a noção positivista que os “arquivos” constituem reservatórios de registros materiais e significados estáveis de realidade (Garcia 2018, 2019, 2021) — uma contestação formulada pelo chamado “giro arquivístico” (Derrida 1997, Steedman 2002). Além disso, busca ampliar os debates ontológicos, epistemológicos e estéticos a respeito das práticas de inscrição e representação, bem como os devires inconclusos e instáveis dos registros e arquivos.

Especificamente, fazemos o convite a expandir a compreensão dos arquivos e registros sonoros para além das qualidades e tecnologia de seus suportes materiais — gravações, partituras, transcrições —, contemplando a noção de que os diversos contextos e formas de inscrição da escuta — discursos, performatividades, condições acústicas e disposições auditivas (Ochoa, 2014) conversam com agendas, usos e pressupostos particulares. Tal noção compõe uma particularidade de vozes que excedem a representação e fixação institucional de sentido.

Em relação a este último, o Dossiê também atende à geração de diálogos interculturais descentralizados e/ou outros deslocamentos que complexificam e/ou questionam a unidirecionalidade da produção de conhecimentos especializados — etnográficos, históricos, etnomusicológicos, organológicos, entre outros—, evidenciando a emergência de outros atores, intervenções e cenários de criação, transmissão e escuta (Appadurai, 2003). Tal é o caso dos processos decoloniais de “restituição”, através dos quais se tem buscado reparar a fratura colonial provocada pelo ouvido e pela episteme ocidentalcêntricos da pesquisa científica e dos registros etnográficos (Tuhiwai 2016).

Neste sentido, nós do Núcleo Milenio Culturas Musicales y Sonoras (CMUS) convidamos pesquisadores/as a apresentar trabalhos que discutam e reflexionem sobre a situacionalidade e posicionalidade dos documentos e arquivos sonoros em geral e, mais especificamente, dos regimes de auralidade e espectralidade que subjazem à produção de conhecimento antropológico.

Propõe-se alguns núcleos temáticos, tais como:

  1. Epistemologia da escuta: exploração das formas de conhecimento que emergem das práticas auditivas e seu impacto em metodologias das ciências sociais tais como a etnografia, a geração de fontes e a análise do arquivo histórico;
  2. Tecnologias de gravação e seus contextos socioculturais: análise de como as tecnologias de gravação e a perspectiva de quem registra influem na produção e percepção dos arquivos sonoros;
  3. Performatividade e som: estudo das práticas performativas e sua relação com a criação e conservação de registros sonoros, transmissão de história e memória;
  4. Arquivos sonoros e decolonialidade: reflexões sobre os processos de geração e/ou restituição de arquivos e seu papel na reparação da fratura colonial;
  5. Condições acústicas e subjetividade na etnografia: pesquisas sobre como as condições acústicas e a subjetividade do pesquisador influenciam tanto na captura e na análise de dados etnográficos quanto na construção de conhecimento;
  6. Políticas do som: exame de como as políticas e regulações institucionais impactam na criação, conservação e acesso aos arquivos sonoros;
  7. Arquivos sonoros e representação e representação cultural: estudo de caso sobre como os arquivos sonoros representam as culturas locais e tradicionais;
  8. Usos e reusos de arquivos sonoros: exploração das práticas de uso e reuso de arquivos sonoros em distintos contextos e suas implicações para a investigação sócio-cultural.